Há um século, teoria da relatividade de Einstein mudava tudo
No outono de 1915, Albert Einstein
estava de mau humor. E por que não?
Aplaudida, para seu desgosto, pela
maioria de seus colegas em Berlim, a
Alemanha tinha começado uma guerra
mundial catastrófica. Ele tinha se
separado da mulher, que fugira para a
Suíça com os filhos.
Ele estava morando sozinho. Seu
amigo Janos Plesch chegou a
comentar: “ele dorme até que alguém
o acorde; fica acordado até que o
mandem dormir; passa fome até que
lhe deem algo para comer; e depois
come até que o mandem parar.”
Pior, ele tinha descoberto um erro fatal
em sua nova teoria da gravidade,
apresentada com grande alarde alguns
anos antes. E agora o campo não era
mais só dele. O matemático alemão
David Hilbert estava em seu encalço.
Então Einstein voltou para o quadro negro.
E em 25 de novembro de 1915, escreveu a equação que rege o universo.
Compacta e misteriosa como uma runa viking, ela descreve o espaço-tempo como
uma espécie de colchão velho onde a matéria e a energia, num sono pesado,
distorcem a geometria do cosmos para produzir o efeito que chamamos de
gravidade, obrigando raios de luz, bolinhas de gude e maçãs em queda a seguirem
trajetórias curvas no espaço.
Esta é a teoria geral da relatividade. É um clichê dos textos científicos dizer que
alguma teoria ou experimento transformou nossa compreensão do espaço e do
tempo. Mas a relatividade geral realmente fez isso.
Desde a aurora da revolução científica e dos tempos de Isaac Newton, que
descobriu a gravidade, cientistas e filósofos pensavam no espaço-tempo como uma
espécie de cenário no qual nós, os atores, a matéria e a energia, andávamos e
desfilávamos.
Com a relatividade geral, o próprio cenário entrou em ação. O espaço-tempo podia
curvar-se, dobrar-se, enrolar-se em volta de uma estrela morta e desaparecer num
buraco negro. Podia balançar como a barriga do Papai Noel, irradiando ondas de
compressão gravitacional, ou girar como uma massa dentro da batedeira. Podia até
se rasgar ou se romper. Podia esticar e crescer, ou se condensar numa partícula de
densidade infinita no fim ou no início do tempo.
Os cientistas estão acendendo velinhas de aniversário durante o ano inteiro,
inclusive aqui no Instituto de Estudos Avançados, onde Einstein passou os últimos
22 anos de sua vida, e onde eles se reuniram em novembro para rever um século
da teoria da gravidade e assistir a apresentações de Brian Greene, físico da
Universidade de Columbia e organizador do Festival Mundial da Ciência, e do
violinista Joshua Bell. Até a natureza, ao que parece, vem fazendo sua parte. Na
primavera passada, astrônomos disseram ter descoberto uma “cruz de Einstein”, na
qual a gravidade de um aglomerado distante de galáxias tinha dividido a luz de uma
supernova em feixes separados, permitindo que os telescópios observassem a
estrela explodindo repetidas vezes, numa versão cósmica do filme “Feitiço do
Tempo”.
Ninguém ficaria mais surpreso com tudo isso do que o próprio Einstein. O espaço-tempo
que ele concebeu acabou se mostrando muito mais travesso do que ele imaginava em 1907.
Foi naquele ano talvez se inclinando para trás mais do que devia em sua cadeira
no escritório de patentes em Berna, Suíça que ele teve a revelação de que um
corpo em queda perde a sensação de peso. Essa percepção o fez tentar aplicar sua
nova teoria da relatividade ao universo inteiro, e não só a trens deslizando nos
trilhos.
De acordo com essa teoria fundamental, conhecida hoje como relatividade especial,
pouco importa para as leis da física a velocidade em que você está as leis da
física e a velocidade da luz continuam as mesmas. Einstein percebeu que as leis da
física deveriam ser as mesmas, independentemente de como você está se
movendo, caindo, girando, saltando ou sendo pressionado contra o banco de um
carro acelerando.
Uma consequência disso, Einstein logo percebeu, é que até os raios de luz se
curvariam para baixo e o tempo ficaria mais lento dentro de um campo gravitacional.
A gravidade não era uma força transmitida através do espaço-tempo como o
magnetismo, ela era a própria geometria desse espaço-tempo, que mantinha os
planetas em suas órbitas e fazia maçãs cair.
Seriam necessários mais oito anos difíceis para ele descrever como este espaço-tempo
elástico funcionaria, durante os quais ele foi de Berna para Praga, em
seguida a Zurique e depois para um cargo de prestígio em Berlim.
Em 1913, ele e seu velho colega de classe Jerome Grossmann publicaram com
grande alarde o esboço de uma teoria da gravidade que era menos relativa do que
eles esperavam. Mas que previa o desvio da luz, e Erwin Freundlich, astrônomo do
Observatório de Berlim, partiu para medir a deflexão da luz das estrelas durante um
eclipse solar na Crimeia.
Quando começou a 1ª Guerra Mundial, Freundlich e outros integrantes da
expedição foram presos como espiões. Então Einstein descobriu que tinha cometido
um erro em seus cálculos.
“Um teórico pode se perder de duas maneiras”, ele escreveu ao físico Hendrik
Lorentz. “1) O diabo o seduz para seguir uma hipótese falsa (nesse caso ele
merece piedade) 2) Seus argumentos são errados e ridículos (nesse caso ele
merece uma surra).”
E assim o palco estava montado para uma série de aulas na Academia Prussiana,
que seriam a contagem regressiva final em sua busca para compreender a
gravidade.
Um momento de avanço
Na metade do mês, ele usou sua teoria incipiente para calcular uma anomalia
curiosa no movimento de Mercúrio: sua órbita oval muda 43 segundos de arco por
século. A resposta foi certeira, e Einstein teve palpitações cardíacas.
A equação que Einstein escreveu uma semana depois, era idêntica a uma que tinha
registrado em seu caderno dois anos antes, mas tinha abandonado.
De um lado do sinal de igual estava a distribuição da matéria e da energia no
espaço. Do outro lado estava a geometria do espaço, chamada de métrica, que era
uma prescrição de como calcular a distância entre dois pontos.
Como o físico Princeton John Wheeler descreveu mais tarde, “o espaço-tempo diz à
matéria como se mover; a matéria diz ao espaço-tempo como se curvar.” Fácil de
dizer, mas difícil de calcular. As estrelas podem ser atores num palco determinado,
mas cada vez que elas se movem, o palco inteiro se rearranja.
Não demorou para que Einstein levasse sua primeira reprimenda.
Em dezembro de 1915, ele recebeu um telegrama de Karl Schwarzschild, um
astrofísico alemão que serviu ao exército durante a guerra, dizendo que tinha
aplicado a equação de Einstein para descrever o campo gravitacional em torno de
uma estrela solitária.
Uma característica estranha do trabalho era que, a uma certa distância da estrela —
que ficou consagrada como o raio de Schwarzschild–, as equações iam para o
espaço. “Se esse resultado fosse real, seria um verdadeiro desastre”, disse
Einstein. Este foi o começo dos buracos negros.
O simples fato de que as equações de Einstein podiam ser aplicadas a uma única
estrela o deixava perplexo. Um das luzes que o guiava era o físico e filósofo
austríaco Ernst Mach, que ensinava que tudo no universo era relativo. Einstein
entendeu, segundo o Princípio de Mach [como ele o chamava], que seria impossível
aplicar suas equações para o caso de um objeto solitário.
Criando um universo
Como a maioria de seus colegas na época, Einstein considerava que o universo era
constituído por uma nuvem de estrelas, a Via Láctea, cercada pela vastidão do
espaço. O que existia além? O universo era infinito? Se sim, o que impedia que
uma estrela se afastasse tanto a ponto de não ter nada com que se relacionar?
Para evitar esses problemas, em 1917, Einstein se pôs a criar o modelo de um
universo sem limites. No seu modelo, o espaço se dobra como na lateral de uma
lata.”Fiz outra sugestão a respeito da gravitação e que me expõe ao risco de ser
trancado num manicômio”, ele confidenciou a um amigo.
Isso eliminou a necessidade de limites problemáticos. Mas esse universo era
instável, e o cilindro entraria em colapso se não houvesse alguma coisa para
separar seus lados. Esta coisa foi o acréscimo de um fator de correção às
equações, que Einstein chamou de constante cosmológica. Fisicamente, esse novo
termo, representado pela letra grega lambda, significava uma força de repulsão de
longo alcance.
O resultado feliz disso, acreditava Einstein, era um universo estático do tipo em que
quase todo mundo acreditava viver e no qual a geometria era determinada
estritamente pela matéria.
Mas isso não durou muito. O astrônomo holandês Willem de Sitter criou sua própria
solução, descrevendo um universo que não tinha nenhuma matéria e estava em
expansão. “Seria insatisfatório, na minha opinião, se um mundo sem matéria fosse
possível”, reclamou Einstein. E então Edwin Hubble descobriu que o universo
estava realmente se expandindo.
Se a constante cosmológica não era capaz de manter o universo parado, então era
melhor esquecê-la, bem como o Princípio de Mach, disse Einstein. “Ela data da
época em que se acreditava que os ‘corpos ponderáveis’ eram as únicas entidades
físicas reais”, ele escreveu mais tarde para o cosmólogo britânico Felix Pirani.
Mas já era tarde demais. A mecânica quântica logo havia infundido a energia no
espaço vazio. Em 1998, astrônomos descobriram que a energia escura,
comportando-se exatamente como a constante cosmológica, parecia estar fazendo
o espaço-tempo se expandir, assim como no universo de Sitter.
De fato, a maioria dos cosmólogos de hoje concordam que nem todo movimento é
relativo e que o espaço-tempo tem uma existência independente da matéria,
embora seja tudo menos estático e absoluto. O melhor exemplo são as ondas
gravitacionais, ondulações de alongamento e compressão que se movem pelo
espaço vazio à velocidade da luz.
Einstein voltou atrás várias vezes nesse ponto. Em 1916, ele disse a Schwarzschild
que elas não existiam, e em seguida publicou um artigo dizendo que existiam. Em
1936, ele e seu assistente fizeram o mesmo vai e vem mais uma vez.
Ninguém disse que isso era fácil, nem mesmo para Einstein.
O maior sucesso de Einstein veio em 1919, quando Arthur Eddington fez o
experimento que Freundlich pretendia fazer, e verificou que as luzes no céu ficavam
tortas durante o eclipse, dobradas pela gravidade escura do sol, exatamente como
Einstein havia previsto.
Questionado sobre o que teria feito se a relatividade geral tivesse falhado, Einstein
disse: “eu teria sentido pena do bom Senhor. A teoria é correta.” E ainda é a
melhor.
The New York Times
Dennis Overbye
Em Nova Jersey (EUA)
Tradutor: Eloise De Vylder
2 Comentários